Basta um mês a brincar na floresta para que o sistema imunitário de uma criança mude significativamente. Esta é a conclusão de um estudo recente levado a cabo pelo Instituto de Recursos Naturais da Finlândia. A Escola Lá Fora entrevistou Marja Roslund, uma das cientistas ambientais envolvidas no estudo, para saber mais.
O estudo coordenado pelo Instituto de Recursos Naturais da Finlândia (Luke), no qual participou Roslund, descobriu que a exposição das crianças aos micróbios encontrados na natureza aumenta significativamente a diversidade da microbiota humana. Segundo a cientista, a ideia de levar a cabo esta experiência surgiu do número crescente de doenças autoimunes que tem vindo a criar problemas de saúde pública nas sociedades mais urbanizadas.
"Isto levou a uma necessidade de resposta com novas práticas profiláticas que possam combater estas doenças”, explicou. Foi isso que levou o grupo a fazer uma experiência de 28 dias com 75 crianças urbanas em ambientes diferentes associados ao jardim infantil que frequentavam.
A experiência foi dividida em três grupos: um grupo de crianças em recreios standard, “os mais típicos, cobertos com asfalto e gravilha”, um grupo em recreios com intervenção “modificados com piso de floresta, relva, blocos de turfa e gravilha” e um terceiro grupo, em escolas orientadas para a natureza, em que as crianças visitavam a floresta diariamente (um pouco como a nossa Escola Lá Fora!).
O grupo focou-se na idade pré-escolar (3-5 anos) por ser um grupo exposto aos mesmos tipos de ambientes, e muito ativo. “Além disso, é na infância que se desenvolve o sistema imunitário”, explica Roslund.
Bastou um mês para descobrirem melhorias no sistema imunitário das crianças que frequentavam o recreio inspirado na floresta. As crianças que estiveram mais expostas à natureza tinham:
As gamaproteobactérias são responsáveis pela defesa imunitária da pele e estão associadas a uma proporção mais elevada de células T reguladoras, essenciais na prevenção de doenças autoimunes e na limitação de perturbações inflamatórias crónicas. Esta presença está também associada a uma redução da citocina interleucina 17A inflamatória, ligada ao desenvolvimento de doenças autoimunes.
Este estudo foi pioneiro ao demonstrar que alterações simples nos recreios podem proteger as crianças contra doenças, prevenindo perturbações no sistema imunitário. Isto torna-se ainda mais importante por sabermos que existe uma diferença entre as crianças que vivem em ambientes urbanos e as que vivem em ambientes rurais, com uma microbiota distinta. “A prevalência de doenças autoimunes é mais elevada entre crianças de ambientes urbanos”, explica Roslund.
Porque é que isto acontece? A cientista explica: “o principal motivo por detrás da incidência elevada de doenças autoimunes, incluindo diabetes de tipo 1, asma, pele atópica e alergias, é a biodiversidade perdida nas zonas urbanas, que limita a exposição a uma microbiota diversa, essencial para um desenvolvimento normal do sistema imunitário na infância”.
Pode parecer uma tarefa hercúlea nalgumas zonas urbanas, mas a verdade é que o impacto pode ser ainda maior. “As doenças autoimunes estão a aumentar rapidamente nos países desenvolvidos, constituindo um grande desafio a nível médico, económico e social”, alerta. “A perda da biodiversidade pode levar a um sistema imunitário não educado e aumentar a prevalência de problemas de saúde pública, como alergias, diabetes, asma e doença inflamatória intestinal”.
No final, a cientista lança o apelo: “isto demonstra que a modificação do ambiente em que vivem as crianças, com material natural microbiologicamente diverso, oferece uma abordagem viável para reduzir o risco de doenças autoimunes em populações urbanas”. Isto pode ser essencial em várias alturas da nossa vida, especialmente no momento que vivemos agora. "Talvez a exposição à biodiversidade possa aumentar a nossa imunidade na luta contra a Covid-19, mas isto é apenas uma hipótese…”, explica.
Agora que se descobriu que os recreios mais naturais podem ser fundamentais para a saúde das crianças, o que fazer? “O ideal seria acrescentar biodiversidade aos jardins infantis, com elementos naturais verdes, deixar as crianças brincar com a terra. Por exemplo, envolver as crianças a plantar e cuidar de plantas, explorar a natureza e outras atividades educativas ambientais na natureza. E claro, visitar a natureza com as crianças o mais possível”, explica Roslund.