Muitas famílias passam o Verão a temer a chegada de Setembro, não pela perspetiva de terem de regressar ao trabalho. É que, com a chegada do fim das férias, vem também a entrada no jardim de infância e, apesar de esta poder trazer experiências extremamente positivas para as crianças, ao mesmo tempo, pode ser a experiência mais difícil de todas.
E aqui, não estamos só a falar das crianças… Os relatos dos amigos e familiares podem assustar: crianças que choram manhãs (ou dias!) inteiros, crianças que não dormem, crianças que não comem ou que só se acalmam com a chegada dos pais. “Dramático” não chega para descrever esta transição tão dura, tanto para as crianças como para toda a família.
Afinal, não é para menos. A criança passa a ficar com um grupo de estranhos: rodeada de crianças estranhas, pegada ao colo por adultos estranhos, deitada em camas estranhas, com horas intermináveis de espera até ver finalmente um rosto familiar. O vínculo criado entre as crianças e os que serão os seus adultos de referência terá uma importância fundamental, mas para que isto aconteça, a presença da família é um elemento importante.
Quanto maior for a ligação da criança à família, mais capacidade terá a criança de enfrentar a difícil adaptação ao jardim infantil. Esta capacidade continua a ser uma ferramenta fundamental. É que, a adaptação escolar, quando vista da perspetiva das emoções de todos os envolvidos, é uma situação de grande intensidade, que desperta várias emoções.
Com tudo isto, não há margem para dúvidas: a promoção de um ambiente acolhedor que facilite a criação de laços afetivos com os adultos de referência, ou seja, toda a equipa de educadores e auxiliares que irão acompanhar a criança, é essencial para uma transição que se quer o mais suave e indolor possível.
Na Escola Lá Fora, uma escola da floresta presente em Lisboa, Almada e Ericeira, baseada no modelo de aprendizagem Forest School e numa abordagem ao desenvolvimento da criança que considera as características e o ritmo individuais de cada criança, esta adaptação e processo de transição são vividos de uma forma inclusiva, com o apoio de toda a equipa, mas também da família de cada criança.
Como uma escola que funciona exclusivamente ao ar livre, na natureza, não existem salas físicas, corredores ou portas que se fechem quando a família se vai embora e essa é uma ideia que se reflete também na filosofia desta escola da floresta.
“Na Escola Lá Fora, queremos respeitar o ritmo de cada criança e da sua família”, explica a diretora executiva e pedagógica, Ana Galvão. “Numa primeira fase, acreditamos que as crianças necessitam de reconhecer o espaço como um lugar seguro”, diz. É por isso que, nesta fase, a criança é acompanhada por um elemento de referência, como a mãe, o pai ou outro cuidador.
“À medida que a criança vai criando confiança, por norma, vai-se apropriando do espaço e, gradualmente, vai ganhando mais autonomia”, acrescenta. Esta momento de apropriação do espaço é também quando a criança terá a oportunidade de criar momentos de interação com os adultos que acompanham o grupo da criança e que assim, vão conseguindo estabelecer uma relação com ela, respeitando o seu tempo de adaptação.
“Acreditamos que a primeira separação deve ser feita apenas após esta fase, quando a criança já tem alguma segurança no espaço e um adulto de referência a quem pode recorrer”, diz Ana. Já a duração desta fase é variável, tal como cada criança é única no seu desenvolvimento e características. Na Escola Lá Fora, sugere-se que este momento de separação seja feito por períodos curtos numa fase inicial e combinado com um dos adultos do grupo, para que tudo possa acontecer de forma alinhada e coerente entre a equipa escolar e a família. “O que sabemos é que este processo, para algumas crianças, pode demorar um mês, para outras pode demorar um, dois ou três dias. Vai depender das características de cada criança e da confiança e tranquilidade que lhes é passada”, explica.
Para que toda a adaptação corra da melhor forma, promove-se canais de comunicação abertos entre a escola e a família, bem como um trabalho conjunto em todas as etapas. “Esta é uma fase difícil do ponto de vista emocional para muitas famílias e é importante que a escola esteja disponível para acolher as suas preocupações de uma forma empática e compreensiva”, conclui Ana Galvão.
Mas porque é tão importante garantir uma adaptação suave e tranquila a uma nova escola? Segundo Ana Passos e Sousa, diretora executiva da Escola Lá Fora, “as adaptações tranquilas são o ‘segredo’ para uma feliz permanência na escola”. Assim que a família ganha confiança na equipa da escola e a criança se apercebe disso, haverá espaço a uma transição fluida para um contexto que, de desconhecido, passa a familiar. “Um local de pertença e de afetos”, explica Ana.
E aqui, as famílias continuam a ser uma peça fundamental. “O facto de as famílias serem convidadas a participar ativamente neste processo de adaptação, promove o estabelecimento de uma relação de confiança entre a criança, a família e a escola”. Esta participação, por sua vez, é vista como um processo de “autonomização apoiada”. Ou seja, um processo com o derradeiro objetivo de que “a criança crie relações positivas e de segurança neste novo contexto que a acolhe”.
Fica a questão: será que o facto de esta adaptação ser feita inteiramente ao ar livre, sem uma porta que se fecha? Afinal de contas, não costumamos dizer que, “o que os olhos não veem, o coração não sente?”. No caso das crianças, tudo indica que isto não acontece, além de que, cada vez mais, tem sido comprovado que a brincadeira e aprendizagem ao ar livre é um elemento fundamental para um desenvolvimento saudável e completo das crianças, especialmente na idade pré-escolar.
“É desconcertante como, num país com o número de dias de sol e um clima tão favorável e ameno, as nossas crianças estejam entre as que passam menos tempo ao ar livre ao longo de todo o ano”, critica Constança Cordeiro Ferreira, terapeuta de bebés e fundadora do Centro do Bebé, em Lisboa. “Não é possível desenvolver todo o potencial de exploração, curiosidade e até do ponto de vista fisiológico, em aspetos como o sono, por exemplo, sem deixarmos que as nossas crianças contactem com os elementos naturais, com o mundo externo”, acrescenta.
Para Constança, na primeira infância, um projeto alicerçado na aprendizagem na natureza e no reconhecimento de cada criança como um ser único, com necessidades e um desenvolvimento único, como é o caso da Escola Lá Fora oferece tudo o que os pais devem receber de um jardim de infância: um projeto pedagógico centrado na criança, ligações afetivas fortes e seguras e a mais-valia de oferecer às crianças aquilo que elas vêm preparadas para receber: o mundo inteiro para explorar”, conclui.
A ciência corrobora: passar a infância na natureza tem benefícios muito além do desenvolvimento emocional das crianças. Na verdade, basta um mês a brincar na floresta para que o sistema imunitário de uma criança mude significativamente, segundo um estudo realizado pelo Instituto de Recursos Naturais da Finlândia, que contou com a participação da investigadora Marja Roslund.
Numa entrevista à Escola Lá Fora, Roslund explicou que, este estudo descobriu que a exposição das crianças aos micróbios encontrados na natureza aumenta significativa a diversidade da microbiota humana. Por outras palavras, a exposição das crianças à natureza “oferece uma abordagem viável para reduzir o risco de doenças autoimunes em populações urbanas”, explica.
Roslund explica: “o ideal seria acrescentar biodiversidade aos jardins infantis, com elementos naturais verdes, deixar as crianças brincar com a terra. Por exemplo, envolver as crianças e cuidar de plantas, explorar a natureza e outras atividades educativas ambientais na natureza. E claro, visitar a natureza com as crianças o mais possível”.